Seja minha vida o padrão naquilo que eu falar e no procedimento, o exemplo à todos levar.

domingo, 17 de março de 2013

O DIA EM QUE ISRAEL (PINHEIRO) INVADIU A JORDANIA


DIA EM QUE ISRAEL INVADIU A JORDÂNIA

José Antônio de Ávila Sacramento 
No mês de dezembro de 2009 eu estava sintonizado na Rede Minas de TV, emissora presidida pelo são-joanense José Eduardo Gonçalves. Chamou minha atenção a exibição do documentário “A Hora do Primeiro Tiro”, de Gustavo Jardim. Era uma história que começava mais ou menos assim:Em junho de 1967, Israel declara guerra e anuncia a invasão da Jordânia com dezenas de tanques e milhares de soldados. Assustados, os habitantes de uma pequena cidade do Vale do Jequitinhonha mobilizam-se para preparar a defesa...”. 

Um homem simples, conhecido por “Seu Nenguinha”, que pareceu nunca ter saído de sua cidadezinha às margens do Rio Jequitinhonha, surgia na tela; do alto de sua ancianidade, declarou- se convictamente ser uma das testemunhas do episódio da abertura do curta- metragem. Mas como seria possível que sem sair de Minas Gerais ele a tudo tenha presenciado? Sabemos que a invasão da Jordânia por Israel gerou um conflito mais conhecido como a “Guerra dos Seis Dias” (mas que parece durar até hoje), e que tudo aconteceu lá pelas bandas do chamado Oriente Médio, nas Colinas de Golan, Deserto do Sinai, Canal de Suez e envolveu a figura do Rei Hussein e outros mais. 

O caso apresentado no documentário de Gustavo Jardim é de domínio público e  se trata da mais pura verdade. Em 1967, coincidindo com o estopim da tal Guerra dos Seis Dias, governava estas “muitas Minas” o Dr. Israel Pinheiro, aquele mineiro de Caeté que foi bom parceiro de Juscelino Kubitscheck na construção de Brasília e que também governou Distrito Federal. 

Como fato complicador, quase na fronteira do Estado de Minas Gerais com o da Bahia, existia (e ainda existe!) uma cidade cujo topônimo é Jordânia, onde ocupava o Poder Executivo Municipal um dos poucos prefeitos que àquela época ainda não se alinhavam com a política do governador Israel Pinheiro. 

Naquela localidade, como acontecia nos chamados “grotões de Minas”os únicos meios de comunicação satisfatórios eram as rádios AM, ainda que dificilmente sintonizadas da capital mineira. Assim, um dia, tomados de espanto, alguns habitantes da cidade ouviram pela Rádio Guarani ou pelo Repórter Esso a seguinte notícia: “Israel invadirá a Jordânia com 16 tanques blindados e 1600 homens”. 

Um morador ouviu a notícia, interpretou-a ao seu modo e saiu em desandada correria ao encontro do prefeito para dar-lhe a notícia em primeira mão; no gabinete de Sua Excelência encontrou mais meia-dúzia de cidadãos, todos quase que sem fôlegos e também prontos para anunciar-lhe o fato. Recuperadas as respirações, finalmente o prefeito foi avisado. 

O alcaide, então, pediu ao seu ajudante de ordens para ligar e tentar sintonizar o velho rádio de válvulas; passado um tempinho, entre chiados e assovios, o rádio repetiu a maldita notícia da “invasão” da Jordânia. O silêncio foi geral até que o prefeito quebrou a taciturnidade do momento rogando mais de mil pragas contra o governador; logo desferiu violento murro sobre a mesa e gritou: “avisa já pro delegado e pros praças; pode deixar aquele f.d.p. vir que nós vamos encarar ele”.


Depois, encarapitado na carroceria de um velho caminhão, saiu pelas ruelas da cidade em pequenos comícios a conclamar voluntários entre o “seu povo”, para com unhas e dentes defenderem a cidade. Pediu para que todos retirassem as carabinas dos armários, amolassem as foices, os machados e as facas das gavetas; as garruchas e os revólveres deviam ser carregados até a boca; os trabalhadores rurais deveriam abandonar as roças e dirigirem-se à cidade portando suas armas, seus facões, suas foices, machados, enxadas e até seus porretes. Advertiu para que as mulheres escondessem as crianças e que nas casas reforçassem todas as trancas; mantimentos e água deveriam ser estocados a fim de suportar a uma terrível e longa batalha. 

Entrincheirados sob seu comando, todos os seus voluntários deveriam esperar pelo terrível ataque das forças militares do governador. 


O povo, influenciado pelo inflamado discurso do prefeito, ficou como que endoidecido contra o Dr. Israel Pinheiro; comentava-se à boca miúda que o governador não gostou nem um pouquinho de ter perdido a eleição no município e por isso, em represália, mandaria um exército invadir e acabar com a cidade e o seu povo. No documentário exibido pela TV impressionou-me o singelo depoimento de dona Juliana, uma velhinha que disse estar junto com algumas quitandeiras fazendo biscoito; uma delas, ao saber da notícia da invasão, desesperou-se tanto que, de repente, ao ouvir o barulho de um avião, “tocou lá pra dentro do forno de lenha e morreu torrada”. Para aquela senhora, era preferível morrer assada a perecer nas mãos das malditas tropas de Israel. 

Estrategicamente e à surdina, alguns emissários da pequena Jordânia (cidade que enquanto distrito tivera o enigmático nome de “Palestina”) foram enviados às cidades de Almenara e Governador Valadares com a finalidade de cooptarem mais voluntários e armas, tudo em defesa da pequenina cidade. 

Em Valadares, o prefeito estranhou toda aquela movimentação e sentiu-se encurralado com o pedido de socorro que lhe fora formulado; pediu ao emissário um tempinho para estudar mais detidamente o complicado caso. Foi a sorte! 

O prefeito valadarense, com ares de um grande coronel napoleônico do Jequitinhonha, informou ao emissário de Jordânia que ficou sabendo que aquilo tudo era um mero equívoco, pois a invasão irradiada realmente acontecia, mas era bem ao longe dali, lá numa tal de “Terra Santa”. Assim, mandou o emissário regressar e dizer ao colega jordaniano que nenhum ataque de Israel (Pinheiro) iria acontecer naqueles confins do nordeste mineiro. 

Comentam que foi dureza convencer a resistência e a jagunçada entrincheirada de que tudo se tratava de um alarme falso; todos já estavam achando que Israel Pinheiro era uma reencarnação do demônio. Consta que depois de desfeita a confusão, um helicóptero teve de ser utilizado para jogar panfletos sobre a pequena cidade de Jordânia, informando a população sobre o mal-entendido (claro que o aparelho teve de voar a uma altura segura, para evitar os tiros da população!). Havia até mesmo notícias de que muitos dos valentes jordanianos não se convenceram prontamente com a tal campanha panfletária, alegando tratar-se de “mentiras de guerra” e continuaram entrincheirados durante semanas; alguns, mais teimosos e ávidos pelo sangue das tropas de Israel, ficaram na tocaia durantes meses. 

Tadeu Martins, um escritor cordelista e amigo do violeiro e cantador são- joanense Chico Lobo, escreveu num de seus versos que depois do alarme falso o valente prefeito de Jordânia ainda estufava o peito e gabava-se publicamente de que “se o dr. Israel viesse mesmo, ele ia voltar desmoralizado, porque nós arrasava o exército dele.”. 

Caso tenha sabido deste caso, como é quase certo que tenha ficado sabendo, Israel Pinheiro da Silva (1896-1973) deve ter dado boas gargalhadas no seu gabinete do Palácio da Liberdade, local de onde governou Minas de 1965 a 1971.


Este é mais um dos muitos casos verdadeiros engraçados, que povoam o universo político e social da boa terra mineira. É, também, uma espécie de alegoria que apresenta-nos a real dimensão do que os erros de interpretação e a ignorância podem gerar, principalmente nos ditos “sertões de Minas” daquela época, lugares onde a distância dos centros maiores era difícil de ser vencida e o acesso aos meios de comunicação era bastante restrito.